Partilhamos convosco a entrevista a Mª José Núñez Arroyo, Diretora Técnica da Unidade de Indústria e Arquitetura da ARRAM Consultores, publicada na edição de outono de 2025 da revista Caudal Extremadura.
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1.- QUE PAPEL DESEMPENHA A ENGENHARIA NA TRANSIÇÃO PARA UM MODELO SUSTENTÁVEL DA INDÚSTRIA AGROALIMENTAR?
A engenharia desempenha um papel fundamental na transição para um modelo sustentável da indústria agroalimentar, pois permite conceber e otimizar soluções técnicas que reduzam o impacto ambiental e promovam o uso eficiente dos recursos. Isto traduz-se em processos produtivos mais limpos, numa gestão responsável dos resíduos e num menor consumo energético, fatores essenciais para garantir a competitividade e a sustentabilidade económica do sector. A utilização de materiais e técnicas de construção mais eficientes nas unidades de processamento, a modernização das infraestruturas fabris e logísticas e a integração de energias renováveis, como a solar, a eólica ou a biomassa agrícola, constituem estratégias cruciais para reduzir as emissões de CO₂ e avançar rumo a uma economia de baixo carbono.
Neste contexto, as empresas de engenharia devem propor ao sector agroalimentar soluções que garantam o acesso a uma energia segura, acessível, moderna e sustentável para todos os elos da cadeia: desde a produção agrícola até a transformação, conservação e distribuição dos alimentos.
Na ARRAM, o compromisso assumido com os nossos clientes é duplo: por um lado, aproximar tecnologias limpas e económicas de explorações ou instalações que carecem de uma fonte de energia fiável; por outro, mitigar o impacto das alterações climáticas promovendo o uso de fontes renováveis que não geram dióxido de carbono. Desta forma, contribuímos para assegurar a viabilidade futura da indústria agroalimentar.
| Diretora Técnica da Unidade de Indústria e Arquitetura |
2. QUAIS SÃO OS MAIORES DESAFIOS TÉCNICOS NA IMPLEMENTAÇÃO DE DESENHOS SUSTENTÁVEIS NA INDÚSTRIA AGROALIMENTAR?
Um dos maiores desafios consiste em adaptar a tecnologia e os meios disponíveis atualmente a cada processo e a cada cliente. Por vezes, a tecnologia mais eficiente não está acessível ou tem um custo demasiado elevado. Não basta integrar soluções renováveis nos projetos; isto deve ser uma condição intrínseca de qualquer conceção. Além disso, é necessário garantir que estas soluções funcionem, sejam eficientes e economicamente viáveis.
Atualmente, uma das maiores complexidades reside na seleção da tecnologia adequada às necessidades do cliente, eficiente e adaptada às condições locais. Todos estes fatores devem ser ajustados a cada projeto.
Em síntese, destacam-se como principais desafios:
- Escolha e eficiência das tecnologias sustentáveis
- Gestão dos recursos energéticos: a energia renovável depende das condições climáticas e da capacidade de assegurar um fornecimento constante. Este tema adquiriu grande relevância após o apagão histórico do dia 28 de abril deste ano, que levou muitas indústrias a reavaliar o seu modelo energético precisamente na linha do que estamos a abordar.
- Infraestruturas: relacionado com o ponto anterior, a adaptação das infraestruturas elétricas existentes para suportar o crescimento da geração renovável continua a ser uma questão por resolver em Portugal e Espanha. A melhoria e expansão das infraestruturas são necessárias para o crescimento económico e para atrair novos investimentos.
- Monitorização de impacto: é necessário dispor de meios para medir o impacto real da sustentabilidade e ajustar estratégias. O que não se mede, não se melhora.
- Gestão de dados: projetos sustentáveis exigem a recolha e processamento de grandes volumes de dados, envolvendo desafios de armazenamento, segurança e análise.
- Ciclo de vida e economia circular: incorporar materiais sustentáveis e reaproveitar os existentes, minimizando a produção de resíduos.
- Educação e formação: é fundamental formar profissionais com mentalidade e práticas alinhadas com a sustentabilidade.
3. QUE AVANÇOS RECENTES DESTACARIA NA ÁREA DA SUSTENTABILIDADE PARA A INDÚSTRIA AGROALIMENTAR?
Os avanços mais significativos na sustentabilidade concentram-se em três eixos principais: otimização de processos, digitalização e energias limpas. Estes progressos não só ajudam a cumprir regulamentações ambientais mais exigentes, como também reduzem custos operacionais e aumentam a competitividade.
Eficiência energética e eletrificação
Substituição de caldeiras e sistemas térmicos fósseis por bombas de calor industriais e fornos elétricos.
Integração de energias renováveis in situ
Instalação de painéis fotovoltaicos em coberturas de armazéns ou a utilização de biogás proveniente de subprodutos agroalimentares.
Digitalização e controlo avançado
Gémeos digitais para simular e otimizar linhas de produção em tempo real.
Inteligência artificial para manutenção preditiva, reduzindo falhas em equipamentos de refrigeração, embalagem ou transporte.
Gestão circular de recursos
Valorização de resíduos orgânicos através de digestão anaeróbia para gerar energia ou biofertilizantes.
Implementação de sistemas de reutilização de águas em processos de limpeza e rega.
Aplicação de análise do ciclo de vida (ACV) para medir e reduzir a pegada de carbono de cada produto.
Materiais e certificações
Utilização de materiais sustentáveis na construção e reabilitação de unidades de processamento e armazenamento (cimentos de baixo carbono, biocompósitos).
Integração de normas de sustentabilidade reconhecidas (LEED, BREEAM) no design de instalações agroalimentares.
Em suma, a engenharia agroalimentar está a apoiar-se na digitalização, no uso de energias renováveis e na economia circular para alcançar processos mais sustentáveis, resilientes e rentáveis, alinhados com os objetivos de descarbonização e de segurança alimentar.
4.- DE QUE MANEIRA IMPACTA A NORMATIVA NO DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS DE ENGENHARIA SUSTENTÁVEL DENTRO DA INDÚSTRIA AGROALIMENTAR? COMO INFLUENCIA A NORMATIVA NOS PROJETOS DE ENGENHARIA SUSTENTÁVEL?
A normativa atua como um motor para a implementação de medidas sustentáveis, pois pode acelerar ou travar a incorporação de novas tecnologias na indústria agroalimentar. Uma regulamentação clara e estável é essencial para atrair investimento, reduzir a incerteza e estabelecer critérios mínimos de atuação em áreas-chave como o uso responsável de recursos, a redução de emissões e a eficiência energética.
Neste sentido, sente-se a falta de uma maior firmeza na regulamentação nacional, que deveria impulsionar com mais força a transição para processos agroalimentares sustentáveis, garantindo assim a competitividade do setor e o cumprimento dos compromissos climáticos.
5.- QUE INDÚSTRIA DENTRO DO SETOR AGROALIMENTAR ESTÁ A APOSTAR MAIS NA SUSTENTABILIDADE?
Não existem dados conclusivos que permitam responder de forma absoluta a esta pergunta, pois depende muito da região em que nos foquemos. No entanto, é possível identificar tendências nas indústrias que estão a liderar este movimento. Os setores que atualmente mais apostam na sustentabilidade são:
- 1.- Produtos vegetais orgânicos e agricultura biológica, produção de frutas, legumes, hortícolas, cereais, etc., de acordo com normas biológicas/orgânicas.
- 2.- Agricultura regenerativa:
A agricultura regenerativa torna-se uma ferramenta fundamental para enfrentar os grandes desafios do setor.
Muitas indústrias que compram matérias-primas como soja, açúcar, cereais, cacau ou café investem em tornar a produção destes produtos mais sustentável. No contexto da transição para um modelo agroalimentar mais sustentável, a agricultura regenerativa apresenta-se como uma estratégia-chave para enfrentar os principais desafios do setor. Do ponto de vista da Engenharia Agronómica, a sua implementação permite melhorar a estrutura e a fertilidade do solo, otimizar o uso de recursos naturais e garantir a produtividade a longo prazo.
Clientes nossos, como a PEPSICO, adotam este tipo de práticas não apenas para reduzir a pegada ambiental da produção, mas também para aumentar a resiliência do sistema agroalimentar face às variações climáticas e de mercado. À medida que fatores como a proximidade da matéria-prima, a eficiência logística e a integração territorial ganham maior relevância, a PEPSICO aposta no desenvolvimento de um modelo de colaboração em que agricultores, produtores e consumidores participam numa mesma cadeia de valor orientada para a sustentabilidade futura. Esta empresa trabalha para que os agricultores que fazem parte da sua cadeia produtiva adotem melhores práticas nos seus cultivos. Não se limitam a reduzir as emissões: envolvem-se também na redução do consumo de água e na melhoria da rentabilidade das explorações.
Fábrica de Gaspacho ALVALLE (PEPSICO), Projeto e Direção de obra ARRAM CONSULTORES
- 3.- Setor lácteo e produção animal (vacas, ovelhas, etc.), focado na redução de emissões e na melhoria do bem-estar animal.
Neste setor, têm sido desenvolvidos projetos para reduzir o metano, gerir melhor os pastos, melhorar a alimentação do gado, reforçar a rastreabilidade e promover o bem-estar animal.
- 4.- Produção e distribuição de alimentos.
Este tipo de empresas está a apostar fortemente na integração de medidas de sustentabilidade nos seus processos. As empresas que transformam, embalem, transportam e comercializam alimentos estão a adotar políticas de sustentabilidade no packaging, na redução de desperdícios, na eficiência energética das unidades industriais, na logística verde e na oferta de opções de produtos mais sustentáveis aos consumidores, etc.
Para mencionar outro cliente nosso que se destaca no setor por desenvolver projetos de práticas agrícolas regenerativas, iniciativas de melhoria da pegada de carbono, biodiversidade, etc., em Extremadura, a NESTLÉ está a implementar projetos para que os cereais utilizados nas papas desta marca provenham de agricultura regenerativa.
6.- COMO SE MEDE O IMPACTO SUSTENTÁVEL DE UM PROJECTO DE ENGENHARIA?
Através de indicadores como pegada de carbono, ciclo de vida dos materiais e poupança energética, aos quais se juntam hoje os impactos social e económico.
7. PODE INDICAR UM PROJECTO CONCRETO QUE COMBINE ENGENHARIA E SUSTENTABILIDADE COM SUCESSO?
Um dos projetos desenvolvidos na ARRAM em que estes fatores se combinam é o da Central Hortofrutícola HaciendasBio.
Os princípios que a HaciendasBio aplica aos seus processos e produtos não se limitam apenas à sua atividade económica; são também considerados e aplicados nas restantes áreas em que a empresa intervém. O conceito de produção Biodinâmica, desde a exploração agrícola até ao consumidor, reflete-se nos critérios adotados pela ARRAM no design da central hortofrutícola.
O eixo principal do projeto foi a Gestão Energética Sustentável da nova central da HaciendasBio, localizada na herdade Hacienda la Albuera.
Central Hortofrutícola HaciendasBio – Projeto e Direção de Obra: ARRAM CONSULTORES
Evitando soluções convencionais e, muitas vezes, pouco eficientes, estudou-se a gestão energética da central desde a origem da energia produzida até à gestão da entrada de matéria-prima e ao funcionamento da fábrica, integrando a procura de energia com a sua geração, de forma a alcançar os seguintes objetivos:
- Minimizar a procura energética, analisando os aspetos sobre os quais se pode atuar: horas de colheita, horas de entrada na central, períodos de funcionamento, pré-refrigeração no campo, etc.
- Aplanar a curva de procura de energia, garantindo que as diferentes fontes de geração possam ser geridas de forma mais eficiente e ambientalmente responsável.
- Maximizar o uso de energias renováveis, como solar, biomassa, geotermia, …
- Integrar a procura e a geração de energia num sistema de controlo mestre, permitindo fornecer energia de qualidade ao mesmo tempo que se assegura uma gestão eficiente da produção.
Para alcançar estes objetivos ambiciosos, estudaram-se, do ponto de vista técnico e económico, combinações de diferentes tecnologias, resumidas na tabela seguinte:
INSTALAÇÕES DE GERAÇÃO – Fotovoltaica, Geotérmica, Biomassa, Cogeração a gás ou biomassa, Eólica, Geradores de apoio
Horas estimadas/ano
Potência térmica
Potência frigorífica
Potência elétrica
DEMANDA: POTÊNCIA TOTAL REQUERIDA (SEM SIMULTANEIDADE), SIMULTANEIDADE – SISTEMA COM APOIO DA REDE, POTÊNCIA TOTAL COM APOIO DA REDE, SIMULTANEIDADE – SISTEMA EM ILHA (FV), POTÊNCIA TOTAL SISTEMA EM ILHA (FV)
GERAÇÃO: DISPONIBILIDADE DE REDE, DISPONIBILIDADE DE COGERAÇÃO, DISPONIBILIDADE REDE + COGERAÇÃO, POTÊNCIA DISPONÍVEL – GERAÇÃO EM ILHA FV FIXA, POTÊNCIA DISPONÍVEL – GERAÇÃO EM ILHA FV EIXO ÚNICO
BALANÇOS: BALANÇO – SISTEMA COM APOIO DA REDE, Máximetro, Fornecimento pela Rede, Fornecimento por Cogeração, Venda à rede, BALANÇO SISTEMA EM ILHA FV FIXA, BALANÇO SISTEMA EM ILHA FV EIXO ÚNICO
8.- QUE CONSELHOS DARIA AOS RESPONSÁVEIS DA INDÚSTRIA AGROALIMENTAR?
Devem preparar-se para um sector cada vez mais exigente em segurança alimentar, automatização, digitalização e sustentabilidade, com consumidores mais informados. Não devem esperar que as tendências se tornem obrigatórias; devem antecipar-se e integrar estas áreas na sua cadeia produtiva.
CONCLUSÃO
O futuro da indústria agroalimentar passa por antecipar três grandes eixos: sustentabilidade, digitalização e adaptação a um consumidor mais exigente. Não se trata apenas de cumprir normas, mas de transformar desafios em oportunidades de inovação, eficiência e competitividade internacional. Quem integrar hoje energias limpas, rastreabilidade digital e produtos saudáveis será o líder do mercado de amanhã.